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Magia à mostra, por Christine Mello, 2009.



Magia à mostra.


Enigmática e transitória imagem. Uma imagem aberta à participação do outro e a todo tipo de especulação, que começa pelo título. O que produz essa imagem aparentemente neutra e isenta de riscos? O que produz aquilo que geralmente nunca é dado à mostra?


Preto sobre Preto de luiz duVa é uma videoinstalação interativa que remete à cor como sensação. Remete também à cor que escolheu, ao preto, considerado um interdito no campo da representação, no sentido de ser ausência da cor. E a obra dialoga com isso, com sensações inesperadas entre o que é ausente e o que é presente, entre o que é contato e o que é mediação. Nos diálogos que provoca entre a obra e o nosso corpo, o trabalho nos oferece certas dimensões para pensarmos sobre a ausência sobre a ausência, a imagem sobre a imagem, o som sobre o som, a vibração sobre a vibração, o corpo sobre o corpo. ausências sobre o signo da presença? Ausências plenas de presença?


Ao enigma da imagem se estende o enigma do processamento: não se sabe sob que lógica inferimos no programa – aberto – diante de nós. aqui, interatividade não é mera imediatez, não é clicar e ter respostas… não… não é assim que ocorre… talvez o trabalho muito mais nos proponha uma desfuncionalização da operação de interação, uma desfuncionalização do ato de tomar contato com o outro, e uma dúvida ao invés de resposta.


Que lógica aberta e paradoxal então é essa que existe no processamento de nossos corpos com a imagem? É como um subterfúgio, uma sombra que precisamos acionar para compreendermos uma outra lógica ali existente. Difícil. Toda a atividade de desvio exige muito do outro, vai contra as expectativas e contra o determinismo com o qual nos familiarizamos diante das relações entre tela e conectividade. Então, a função divergente, é capaz de subtrair o participante à fascinação que a imagem provoca? Tal função agiria como uma ruptura à atenção passiva que temos diante das interfaces? Seria então o caso de maldizermos, de apregoarmos uma praga a essa indeterminação profunda entre eu e a imagem? Ou ao contrário, de nos sentimos livres diante de um contato em que não há nada a fazer e nem nada pré-determinado? Preto sobre Preto. Indeterminado sobre indeterminado. Como é que o artista foi buscar uma cor que é uma ausência? Como é que ele propõe uma tela que não deixa a imagem flutuar, ser fluxo, mas que, ao contrário, a aprisiona, a coloca no chão, tal qual cada um de nós: afeita à lei da gravidade? Que referência cada um de nós pode ter nisso a não ser aceitar a quebra de contrato anterior com o plano da imagem?


Porém, sabemos, embora não enuncie, o artista experimenta a linguagem com a sutileza que existe no ato de partilharmos nossos corpos em movimento com o movimento da imagem. É como uma manifestação perturbadora de partilhar um corpo evanescente. É como se o processamento à mostra exigisse de nós a consciência de lidarmos com espectros de nosso corpo em movimento. De certo modo, há um certo cinismo nessa proposta, por não haver cenas tenebrosas, apenas a presença de uma imagem em constante reconfiguração, num espaço escuro e indefinido. Nesse caso, o programa à mostra não ajuda a resolver os enigmas, não nos reconcilia com a imagem, ao contrário, numa escala matemática, indescritível, apenas os reforça. Sim, compreendemos, é um jogo. Como um lance de dados entre cada um de nós e a imagem. Aceitamos, está em aberto. Mas há uma intensidade que não sabemos qual é que conecta o nosso corpo à tela. E perguntamos: como lidar com algo assim tão íntimo? Que imagens são essas que eu abro ao contato íntimo? Como imagens soltas e indeterminadas, que pulsam sobre o espaço eletrônico, é possível observar relações produzidas entre a velocidade, a vibração e os contornos do meu corpo com o corpo da imagem.


Com esse sistema, luiz duVa promove ao mesmo tempo relações de intensidade e confronto entre um e outro corpo, entre a presença do corpo (enquanto fisicalidade) e a representação do corpo (enquanto virtualidade). É daí que o contato entre corpo físico e virtual é como um convite para que nos confrontemos com a imagem e a interroguemos. É daí que nos sentimos ao mesmo tempo próximos e distantes da imagem e é com isso também que vamos construindo os nossos contornos pessoais a partir da imagem. Assim, a operação é lúcida, consciente e não ilusionista para com a imagem. Nem imergimos nela e nem emergimos dela: nos relacionamos corporeamente, em aberto, com ela. Sobre fundo luminoso, o disforme corpo virtual nos faz conviver com nossos fantasmas, com as fantasmagorias que assolam cada um dos que se projetam na imagem. Sensação intensiva entre corpos, conflitiva: não há consenso, apenas jogo, ou negociação imaginária. O esforço do movimento entre corpo físico e virtual gera uma situação limítrofe, provoca manchas, zonas existenciais, de contornos imprecisos. Na provocação de termos sido tocados pela imagem, tem aí o interesse da obra.


Mas, por enquanto, deixemos por aqui, como um enigma a ser aos poucos processado.


Christine Mello, 16 de setembro de 2009.


Algumas anotações a respeito de ‘Preto sobre Preto’ de luiz duVa.

MIS, São Paulo, setembro de 2009.



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