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"Concerto para Laptop" por Patricia Moran, 2021.

Foto do escritor: Luiz DuvaLuiz Duva

Imagem da performance Concerto para Laptop

Em sua tese "Performance Audiovisual: uma poética entre meios", apresentada como requisito parcial para obtenção do título de livre docente na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Patricia Moran fala sobre a obra Concerto para Laptop.


Concerto para laptop. (pgs 44 a 45)


Concerto para Laptop foi apresentada em 2007 e 2008 no Brasil e no exterior. Com pequena quantidade de elementos visuais, a performance se estrutura segundo intensidades de movimentos e figuração pouco visível. O trabalho Concerto para Laptop: sem título, estrutura “diferentes paisagens emocionais da memória”, segundo o realizador. A música do concerto e a memória como porta de entrada na apresentação de Duva. A cor da imagem é terra, espaço-paisagem da apresentação: outra vez a metonímia como figura de linguagem da performance. Há algumas recorrências em relação ao trabalho anterior (Suspensão). As duas performances são nomeadas como composição audiovisual, prevalecendo na concepção do autor a musicalidade.


Fundo terra, chão de terra no qual se alternam homens em luta, homens em transe. A imprecisão sobre o que se vê se constrói na decomposição do movimento, seja por sua ruptura ou pela sobreposição de camadas, recurso corrente na arte do vídeo brasileira, lugar de onde Duva partiu. A palavra mais certeira para um encontro com este trabalho é “parece”. No domínio da imprecisão tudo é terra, tudo parece levar à constituição de uma espaciali- dade do vago: um homem parece preso ao seu próprio corpo, no movimento de frames o homem tenta se livrar do seu corpo, mas está com os braços presos. Movimenta-se riscando a cor terra com o branco de seu corpo preso. Essa imagem-passagem dá passagem para outro estado também vago, outra tentativa de libertação suscitando novas indagações: um homem parece sofrer, lampejos de uma fisionomia contraída, dor e força comenta a intensidade sonora. Passagem a revelar o mesmo modificado, a energia da força e da dor em circularidade. Força agressiva pelas rupturas do movimento. Quer se libertar, a roupa impede o movimento, exige forças descomunais. Duva denomina seu trabalho como uma livre interpretação de paisagens emocionais, análise das relações entre passado e presente. É do passado que o homem procura se libertar? É do passado que nasce a luta e a dor? Não se sabe dor de que, não se sabe força para que. Força do visível e audível, da incompletude do movimento em repetição. Rosto intenso. Outra passagem: um homem no chão parece brigar com outro homem – parece, pois pode ser a imagem duplicada deste mesmo homem. Pedaços da roupa branca procuram a liberdade. O tema de fundo se estrutura pela sucessão de instantes, pela parada da imagem ou por sua aceleração.


O ritmo é um excelente provocador de misturas. É claro que a escolha apropriada da combinação de imagens e o tratamento das mesmas compõem a mistura. Misturas que se dão no plano ótico e da significação. Situações de choque visual, ópticas, apontam vagas direções de sentido. O choque expressa a força do movimento, de uma reação constituindo-se como algo em si, atingindo ouvidos e retinas. O cintilar de luzes, em geral brancas, é produzido pelos softwares utilizados pelos VJs e pela iluminação da festa, como vimos. VJs que utilizam programas de edição como o final-cut não contam com plug-ins ou sintetizadores para colocar quadros/frames brancos entre as imagens dos frames de um looping, por exemplo. Mas o piscar ainda acontece – neste caso pela descontinuidade do movimento, pela interrupção brusca da evolução do gesto ou deslocamento. Nesse caso símbolo, o terceiro da tricotomia de Peirce, tende à abstração, ameaça cair na primeireza. Isso se dá pelo piscar e pela abstração do sentido constituído por metáforas. O símbolo passa a ser poético, há uma inversão, um estouro da denotação. A norma do signo é questionada pela proximidade com outro signo que o coloca em questão. Os dois se anulam, se provocam, transformam-se. Como na poesia, a significação circula sem lugar, o sentido permanece aberto. Há um signo poético porque a nova sintaxe produziu ruído, uma agramaticalidade que propicia o bypass do já configurado para aquilo que está para se configurar – do ser para o vir a ser. (52)


Massa branca sobre terra surge e desaparece com o movimento frenético do homem – mancha ou traço, ainda branco. Agora se sucedem três corpos brancos. O mesmo corpo três vezes, corpo sobre corpo. Permanece como potência, na passagem entre imagens a atualizar-se outra potência, não uma situação estável e segura. Permanece em dúvida o visível, o próprio ver, a percepção visual e qualquer possibilidade de revelação a partir dela. A imagem parece algo, e este parecer é intensidade. Através do corte no movimento e de movimentos cortados. Um movimento inquieto, quase agônico, indisposto com o tempo mecânico regular, mescla passado e presente, concedendo ao movimento o protagonismo da cena. O homem salta, ele se esfacela, e o esfacelar não é uma figura de linguagem, o desmoronar do homem reverbera e se amplia com o som sincrônico aos movimentos, enquanto a imagem se esgarça. Um branco sobre a terra dá a impressão de estarem visíveis os músculos, uma forma entre luz e corpo. E neste lugar do vago o espectador é colocado, transformando-se em uma placa motriz receptora de variações de intensidades visuais e sonoras. Nenhuma palavra oferece uma pista, as imagens não se estabilizam ou acalmam. Neste concerto o espaço é homogêneo, é a terra de uma memória atormentada, um espaço não percorrido, ninguém sai do lugar, o todo se move modificando o movimento, mantendo o homem em espasmos. O desconforto dos homens presos ao movimento e pelo movimento, retorno do mesmo, modificado em quantidade de movimento. Se a afecção consiste em “sofrer uma ação ou ser influenciado ou modificado por ela (53), estamos na tônica de Concerto para Laptop, diante de imagens que passam, sem centro privilegiado, sem lugar para chegar, sem relação com qualquer instância, a não ser a de constituir tempo pelo movimento.” (54) __________________________________

(52)

https://revistas.pucsp.br/ galaxia/article/view/1471


(53)

Abbagnano, Nicola. Dicionário de Filosofia.

São Paulo: Martins Fontes, 1999, pg 19.


(54)

Moran, Patricia. “Elogio da superfície: do quadro ao pixel.”

In: Avanca / Cinema 2010. Edições Cine-clube Avanca: Avanca, 2010, pg. 153.





 
 
 

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